Já reparou quando você vai comprar um livro, ou então baixar um filme, ou assistir a um filme, que há uma confusão entre terror e horror? Sabia que há uma diferença entre eles? E quais são essas diferenças, entre terror e horror?
Vou usar quatro trailers de filmes que vocês conhecem para poderem discutir um pouco essa distinção entre terror e horror. Os filmes são: A bruxa de Blair (versão de 1999), Corrente do mal, Invocação do mal e Anabelle. Bom, para começar, essa confusão entre terror e horror começa no fato de que muitas vezes os limites entre essas duas categorias do fantástico se misturam. Essa confusão não é de hoje, na verdade lá no século 19 uma escritora inglesa, uma das principais escritoras do gótico, Ann Radcliffe, já tentava distinguir entre terror e horror. Por exemplo, ela dizia que o terror expande a nossa alma, enquanto o horror contrai a nossa alma, congela a alma. Ou seja, não é uma definição muito clara, eu prefiro até uma versão do Stephen King, dessa distinção entre os dois – um grande mestre do horror norte americano – ele dizia que “vou tentar aterrorizar o leitor, mas se eu perceber que não vou conseguir, vou tentar horrorizá-lo, e então, se eu não conseguir horrorizá-lo vou apelar pro horror explícito”. Então você vê nessa definição do King, na verdade nem é uma definição, mas uma tentativa de mostrar a importância de cada categoria, você vê que o terror exige um jogo um pouco maior por parte do escritor ou do cineasta. O terror precisa de uma maior elaboração, para que ele possa causar o efeito no leitor e no espectador; quanto que o horror é mais básico, no sentido de que ele tem uma resposta direta no físico da pessoa. A gente vai falar um pouco dessa distinção daqui a pouco.
O terror tem origem no latim “terrere”, que quer dizer causar medo, isso a gente pode ver tanto no Bruxa de Blair quanto no Corrente do Mal, porque eles apelam pro psicológico. Essa é a palavra-chave para poder se entender o terror, o terror é psicológico. Ele trabalha dentro da nossa mente, naquela expectativa nossa em saber que algo vai acontecer e a gente fica naquela tensão. Então, isso nos assusta, nos causa medo, apreensão, aquela ansiedade pelo que estar por vir. Já o horror também tem origem no latim, “horrere”, que quer dizer deixar os cabelos em pé, tremer, estremecer, como em Invocação do Mal. E é exatamente isso, porque quem vê uma cena dessa aí, dessas palminhas do capeta e não fica com cabelo em pé? (Vídeo de Invocação do Mal). Aliás, esse é um recurso muito usado hoje em dia, que é “baseado em história real”, deixa ainda mais apreensivo.
Você pode perceber, por exemplo, quando eu falo que os limites entre os dois acabam que se misturando por vezes, é que geralmente, em filmes isso é muito comum, você tem uma preparação por parte do enredo do filme. Como vocês podem ver aí (no vídeo), a mãe está apreensiva, porque está ouvindo alguns sons e não sabe exatamente o que é e se depara com uma porta que vai dar para um local escuro. E vamos lembrar, o escuro é o local que a gente coloca os nossos medos, a gente projeta nossas angústias e ansiedades naquele lugar. Então, nesse momento aí o que a gente está vendo é o terror: “o que é que está se passando?”; “O que é que tem ali?”. E como acontece nos filmes, o terror acaba gerando início ao horror, prepara para o horror. E o horror é justamente o que vão ver aí, que é o aparecimento, o encontro com a criatura. O horror é físico, a palavra-chave para entender o horror é isso, então ele deixa nossos cabelos em pé, nos faz tremer, estremecer, causa um efeito no nosso corpo. O encontro com o monstro. Isso é muito comum nesses filmes de exorcismo, você tem aquele encontro com o demônio. Você vê cenas de repulsa, corpos planados e por aí vai.
Nesse caso aí, o último que a gente está vendo, Anabelle, que é toda uma temática de horror, sobre objetos possuídos. Invocação do Mal e Anabelle são filmes de horror, porque ele foca bem nessa presença do monstruoso. Gera uma pressão inicial, que apela para a parte psicológica, mas o forte mesmo é provocar o horror, esse contato com o sobrenatural.
Outra categoria do fantástico é o suspense. O suspense ele opera mais ou menos nas mesmas bases do terror, mas o suspense não usa elementos sobrenaturais. O suspense é o terror sem o sobrenatural, como por exemplo, o tubarão.
Afinal de contas quem é essa Lilith, primeira mulher de Adão? Se quando eu aprendi isso dizer que o primeiro casal da humanidade foi Adão e Eva. O que chama atenção na questão da Lilith é a presença dela até hoje na cultura pop, na cultura do fantástico, seja na literatura, no cinema, nos quadrinhos, até mesmo em jogos de vídeo game. Por exemplo, a gente observa a presença da Lilith na série Supernatural, ela aparece primeiramente como uma criança, mas até mesmo os produtores mudaram a personagem, para evitar criança em cenas de violência, e a Lilith passou a aparecer na sua forma adulta. Ela surge também na série True Blood, onde ela já aparece na figura recorrente da deusa vampira, geralmente Lilith aparece dessa forma, como a rainha dos vampiros. Uma outra aparição da Lilith no universo pop, muita gente deve lembrar da infância, é a Lilithmon, lá na série Digimon. E, quem nunca jogou com a Lilith no jogo da Capcom?!
Afinal de contas, por que tanta polêmica que cerca essa personagem? Essa polêmica vai ter raízes lá no início de tudo, no livro dos Gênesis, quando a gente tem no capítulo 2, versículo 23:
“E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada”.
Esse é o momento em que Eva foi criada. Mas por que disse Adão “osso dos meus ossos”? Por que, teve então, uma anterior? Talvez a tradução que você tenha aí na sua casa possa estar assim: “Esta sim é osso dos meus ossos [...]”. De qualquer maneira essa passagem da criação de Eva sempre da uma ideia de que houve alguma coisa, houve alguém anterior a Eva. Também tem outra passagem que lança uma dúvida sobre a presença da Lilith como a primeira mulher de Adão, no livro de Isaías, capítulo 34, versículo 14:
“E as feras do deserto se encontrarão com hienas; e o sátiro clamará ao seu companheiro; e Lilite pousará ali, e achará lugar de repouso para si”.
Talvez na tradução que você tenha, ao invés de Lilith pode estar escrito “animais noturnos” ou “animal noturno”, ou ainda “coruja” ou “demônio”. Isso é porque houve uma modificação, depende também de traduções e na maneira como o texto é apresentado. Vamos lembrar aqui que a Bíblia que nós temos hoje, ela foi instituída pela Igreja Católica Medieval no Concílio de Trento, no século 16. E aí quando lançada a chamada Bíblia Vulgata, já não tinha mais o nome Lilith no texto bíblico, já estava sendo traduzida como “coruja”, como “animais noturnos”, e por aí vai. Ou seja, desde a instituição da bíblia, vamos chamar de “Bíblia oficial”, no Concílio de Trento, o nome da Lilith já havia sido omitido, mas ainda assim ela ainda fazia parte do folclore judaico desde a Idade Média.
E qual a relação do folclore judaico com essa personagem? Essa relação se inicia lá na antiguidade, nas primeiras civilizações da humanidade, na Suméria, também na Babilônia. Nós temos a presença dessa Deusa, pelos pés de coruja dela houve essa associação com a Lilith. No meio desse povo Lilith é chamada de “A noturna”, a criatura noturna, um demônio alado feminino. E essa conexão entre essa deusa, essa criatura sobrenatural da Suméria e da Antiga Mesopotâmia, também se ligou ao universo dos hebreus, no século 6 e 7 a.C., quando os hebreus foram exilados na Babilônia e lá permaneceram como cativos dessa civilização. E foi aí que se deu esse contato dos hebreus com a Lilith.
Quando chegou na Idade Média, nós tivemos a presença da Lilith nos textos, principalmente no Alfabeto de Ben Sirá. É onde temos a base da Lilith como primeira mulher de Adão, que conhecemos hoje, é um texto dos séculos 9 e 10. E lá nós aprendemos que a criança prodígio Ben Sirá - vale destacar que esse Alfabeto de Ben Sirá é um texto de autoria anônima e lá é narrada a história da criança prodígio Ben Sirá – que presenteia o rei da babilônia com um amuleto com nome de três anjos, Senoy, Sansenoy e Semangelof. E esse amuleto tinha o poder de proteger o filho recém-nascido do rei da Lilith, do demônio noturno, a primeira mulher de Adão. E ao ser questionado sobre essa história, Ben Sirá narra a história de como Adão ao ser criado do barro primordial, como a gente conhece, também foi criada a Lilith. Ou seja, tanto Adão quanto Lilith foram o primeiro casal, criados do barro primordial, ou seja, posições iguais. E por ter posições iguais a Lilith não aceitou ficar submissa a Adão na primeira relação sexual. Adão queria ficar por cima, Lilith também queria ficar por cima, o bicho pegou e teve a primeira d.r. da história da humanidade. Lilith vendo que Adão não ia ceder, não ia aceitá-la como igual, pronunciou o nome secreto de Deus e voou dali e se exilou no mar vermelho. Aí Adão ficou sem mulher e foi chorar as pitangas para Deus, ele enviou os três anjos (Senoy, Sansenoy e Semangelof), para tentar convencer Lilith a voltar para Adão. Ela não aceitou e os anjos a amaldiçoaram, dizendo que toda a prole dela morreria, por todo dia, por toda a eternidade. A Lilith por sua vez se vingou e disse que ela mataria todos os filhos de Adão, no caso somos nós. Lembrar que a raiva da Lilith aumentou mais ainda quando Deus criou Eva. Dessa vez para não ter fadiga, Eva já nasceu em uma posição inferior a Adão, nascendo da parte dele, de sua costela.
Ainda segundo artistas, ao longo dos séculos, desde então Lilith está lá atormentando Adão e Eva. As vezes ela é até a serpente que dá a maçã para Eva, que levou à queda do casal. Mas isso já é uma liberdade artística, já que a menções na Bíblia que um demônio que foi a serpente no Éden, que deu a maçã a Eva, aquela história toda que a gente sabe.
O fato é que desde então a Lilith vem sendo associada como a que ataca os homens. Ataca os filhos de Adão, principalmente a noite, os homens jovens. Na Idade Média, por exemplo, era muito comum os orgasmos noturnos, chamados “poluições noturnas”, que os homens tinham, ser associado a Lilith, que ela foi lá e o seduziu, na forma do súcubo (demônio feminino voador).
O mesmo amuleto mencionado no folclore judaico é também colocado junto as crianças, os recém-nascidos, para que eles não viessem a morrer nas mãos de Lilith. Essa associação, esse forte elemento sexual da Lilith como aquela que ataca os homens a noite, também promovia essa associação a uma outra criatura, da mitologia grega, a Lamia. Ela também apresenta uma forma sedutora, que acaba levando os jovens a morte, arranca a carne dos ossos e se revela de uma forma monstruosa. Tanto a Lilith, quanto a Lamia acabaram criando essa imagem das primeiras vampiras, primeiras destruidoras da essência vital da humanidade.
Os hebreus quando estavam aprisionados na Babilônia, entraram em contato com a Lilith. Por que a Lilith sumiu? Porque os hebreus não iriam deixar passar barato esse momento, todo esse período que eles passaram na Babilônia. Por motivação política, segundo os estudiosos, eles resolveram tirar a Lilith do texto original do Gênesis, que serviu tanto para o Gênesis Judaico quanto para o Gênesis Cristão. Ou seja, originalmente, segundo a lenda, a Lilith estaria na narrativa original de Gênesis, mas como os judeus entraram em contato com ela por meio dos seus captores, eles a eliminaram da narrativa original e ficou apenas essas breves “lacunas”, que até hoje acaba fomentando essa lenda dela como a primeira mulher de Adão.
É uma personagem que vem fascinando artistas ao longo da humanidade, como mostra a pintura de Richard Westall – Fausto e Lilith, que na verdade menciona uma cena da obra Fausto, de Goethe. Fausto após ter feito pacto diabólico, tem a chance de dançar com a Lilith, que aparece como uma bruxa sedutora. Ela aparece também, como uma bruxa, na obra de Dante Gabriel Rossetti.